domingo, 19 de outubro de 2008

Agricultores de Baependi (MG) descobrem propriedades da candeia


Antonio Marcos de Oliveira vivia de tirar leite, com uma produção que mal dava para pagar as despesas do mês. Agora, ele acha que finalmente vai conseguir dar um passinho à frente: aceitou dispor de 25 hectares para o programa de conservação.

Pelo serviço ambiental, Antônio vai receber mais ou menos o que as vacas lhe dariam, cerca de R$ 15 mil, mas ele já conta com uma renda extra. “Na área fechada, a gente vai fazer o manejo e tirar para vender”, planeja.

O plano é fazer o manejo das áreas de proteção, como um pasto que ele já nem conseguia roçar mais e que foi cercado pelo projeto. Depois, dentro da norma, ele acha que dá para explorar madeira de lei, como o guatambu. Mas não é para já; o guatambu demora três ou quatro anos até crescer ao ponto de corte.

A renda que pode vir de imediato está no terreiro da casa, onde antes eles batiam feijão. Antonio Marcos e a mulher dele, Maísa, fizeram um curso de viveiristas. “Eu não sabia nada, mas o que eles ensinaram eu aprendi bem”, conta Maísa.

Do IEF, via Amanhágua, o casal recebeu um kit completo para a produção de mudas, com carriola, pá, enxada, adubo, peneira e telas pra cercar as galinhas. Junto com a tecnologia e o material, eles receberam também uma encomenda que resulta de uma feliz coincidência de programas de recomposição de matas, como explicaremos mais adiante. “Eu não tinha experiência nenhuma em viveiros, mas este ano vamos produzir dez mil mudas”, diz Antônio Marcos.

A família de Antonio Marcos está fazendo mudas de candeia, uma árvore que até já mandou gente para a cadeia, por causa do corte clandestino. Na roça, historicamente, ela é usada como mourão de cerca e palanque de curral, porque pode ficar duas décadas enterrada no chão sem apodrecer – uma longevidade que rivaliza com a da aroeira.

O engenheiro ambiental José Roberto Scolforo, da Univesidade Federal de Lavras, é especialista em candeia. “A candeia se desenvolve em ambientes hostis, com pouca umidade, e para garantir a sua sobrevivência desenvolveu uma produção de óleo contra o ataque de fungos apodrecedores de madeira”, explica ele.

Tem muita cerca de candeia na região da Mantiqueira. Tem até batente de porteira feito de candeia, pertinho de uma candeia adulta que sobrou solitária no barranco ao lado.

Geralmente, a candeia não passa dos sete metros de altura. Ela se alastra não dentro, mas na borda da mata. A folha tem um verde suave na frente, e nas costas puxa para o cinza.

A candeia não faz luxo com terreno: nasceu pra enfrentar condições adversas. O solo é fraco, pedregoso, mal irrigado? Não tem importância. A candeia brota e sobrevive até no meio de uma laje. A natureza lhe concedeu uma estratégia de reprodução que é quase infalível: ela coloniza, ocupa a área ao redor formando bosques próprios, sempre na altitude que varia entre 800 e 1.700 metros.

A candeia tem 18 espécies, com ocorrência no Sudeste e Sul do Brasil. Mas, pelas suas qualidades, a pesquisa do professor Scolforo se concentrou em uma específica, a “Eremanthus Eritropapus”.

Entre outras descobertas, os pesquisadores entenderam como funciona o fabuloso mecanismo de alastramento da candeia e desenvolveram uma técnica de reprodução comercial em alta escala – que é a que foi ensinada aos agricultores, como Antonio Marcos, que já está ficando craque nisso.

Acredite: a cada florada, um único pé de candeia dá mais de 300 mil sementes. É uma sementinha minúscula, um grãozinho de nada. O professor Scolforo explica que, ao contrário de outras nativas da região que exigem quebra de dormência e condições especiais, a semente da candeia só precisa de três coisas básicas: solo macio, chuva e luz do sol direto nela. A candeia só não vinga em chão duro ou na sombra.

Para a produção artificial, basta imitar a natureza. Não precisa enterrar as sementes; é só polvilhar o saquinho e acrescentar um pouco de areia, para as sementinhas não voarem. O pegamento é praticamente total, e o plantio segue regras elementares de coveamento e adubação.

Plantar algumas árvores ou até um bosque é uma coisa; mas, e para conduzir florestas comerciais, de milhares de árvores? Os pesquisadores passaram bom tempo estudando o comportamento das matas nativas de candeia.

O professor José Roberto Scolforo nos levou a um candeal nativo que foi explorado com uma licença especial de pesquisa em 2003. Na ocasião, foram retiradas duas mil árvores de lá – com cuidado no corte e deixando uma árvore mãe a cada oito ou dez metros de distância, para a expansão natural de sementes. Cinco anos depois, a regeneração é impressionante: parece um bosque fechado de candeia. “Isso é a prova concreta de que esta é uma atividade sustentável ao longo dos anos, que vai garantir a permanência da espécie”, acredita o engenheiro.

Os pesquisadores de Lavras demoraram a conseguir do Ibama e do Ministério Público autorização para fazer cortes experimentais, mas os resultados convenceram as autoridades a conceder não só licenças científicas, mas também comerciais – como a de uma propriedade que visitamos, em São Lourenço.

Para orientar os proprietários, a UFLA acaba de publicar a cartilha “O Manejo da Candeia Nativa”. Em Minas, a documentação para a extração das árvores já está na rotina do IEF. O dono da mata tem que contratar um engenheiro florestal para fazer o projeto de manejo.

Ultimamente, a procura da candeia não é só pra mourão. O uso industrial pode render mais, pois consome a árvore toda. No município de Carrancas (MG), visitamos uma empresa que está com o pátio lotado de madeira cortada; lá a madeira é moída – reduzida a uma montanha de maravalha – , e as aparas são, então, fervidas em tanques de alta pressão.

Da fervura é que se extrai o óleo da candeia, rico numa substância de nome estranho – alfabisabolol – que é comum em muitos produtos do nosso dia-a-dia. É difícil você já não ter usado algo que tenha o óleo de candeia na composição; ele está em cremes, sabonetes, xampus, batons, protetor solar... é um fixador importante para a indústria de cosméticos.

O professor Scolforo também nos mostrou um dos experimentos de plantio que começaram em 2002. Entre outras coisas, foram realizados ensaios sobre espaçamento e podas da candeia. As técnicas aprovadas já estão descritas em outra cartilha, “O manejo de Plantações de Candeia’, que ensina o produtor, por exemplo, a fazer podas de tal forma que uma parte da árvore possa ser vendida como mourão e o resto, para a indústria de óleo.

As madeiras plantadas de sucesso no Brasil são espécies exóticas, trazidas do exterior, como o eucalipto e o pínus. Pois a pesquisa feita pela UFLA comprova cientificamente que a candeia é uma nativa brasileira de grande vocação florestal, comercial, de ciclo curto.

Em seis anos, um tronco de candeia atinge a mesma espessura de um eucalipto da mesma idade, no mesmo tipo de terreno. “É um mourão típico, que vai durar décadas no campo”, diz Scolforo. A candeia poderia ser cortada já em seis anos, mas a pesquisa trabalha com um prazo de dez anos. “Nós estamos sendo conservadores para que o máximo da população plantada tenha condição de ser aproveitada economicamente pelos agricultores”, explica o pesquisador.

Visitamos as plantações comerciais que fazem parte do Projeto Candeia, uma parceria da UFLA com o IEF que, numa primeira etapa, já plantou um milhão de mudas em trechos das serras do Espinhaço e da Mantiqueira.

Waldir Leite, por exemplo, plantou 27 hectares de candeia – e num lugar significativo, bem no meio das plantações de eucalipto. “Sem dúvida, a candeia vai dar mais lucro”, aposta. Na região, um mourão de candeia vale o dobro de um mourão de eucalipto tratado.

O casal Renato e Andréa Rangel já tem 34 hectares e pretende destinar mais 80 para o plantio de candeia. “A tendência é que biomassa e madeira só aumentem de preço no Brasil e no mundo. Aos preços de hoje, a rentabilidade da candeia, pelas contas que a gente vez, é bastante expressiva. É coisa para cima de 300%”, estima Renato.

O manejo da candeia pode contribuir muito para que a Mata Atlântica não se reduza de vez a uma mera “moita atlântica”, como já dizem; para fazer jus ao nome que os índios deram a essas montanhas, ”Amantikir”, que virou “Mantiqueira” e significa “a serra que chora”, que jorra água.

Como uma espécie de ferramenta para os serviços ambientais, a candeia promoveu aquela aliança feliz que mencionamos antes. Mônica Buono ficou sabendo do trabalho do professor Scolforo e vice-versa. Amanhágua, IEF e Universidade de Lavras juntaram as parecerias para a segunda etapa do projeto, que prevê o plantio de mais três milhões de mudas até 2010. E a coisa andou ligeiro, pois já estava em andamento em Baependi o programa de viveiros familiares, como o do Antonio Marcos.

Por muda de candeia, ele vai receber R$ 0,30; com a encomenda de dez mil, terá
uma renda de R$ 3 mil. “Não tinha isso de lucro com o leite, porque o gado é difícil. Acho que vai dar mais lucro”, ele diz.

O agricultor Élcio Maciel é de uma família que tem propriedade na Serra da Mantiqueira há mais de cem anos. Ele já perdeu as contas de quantas candeias seus antepassados já cortaram, e agora Élcio resolveu entrar no programa de conservação de Baependi. Acaba de plantar 40 mil mudas de candeia. “Penso que estou tentando saldar uma dívida que herdei da família”, ele explica.

Para fazer a manutenção dos candeais, Élcio vai investir R$ 80 mil nos próximos dez anos, mas em 2018, quando cortar a madeira, vai faturar no mínimo R$ 400 mil, em preços de hoje. “É um dinheiro legal”, anima-se.

FONTE: Globo Rural

Um comentário:

Unknown disse...

Olá!Vcs trabalham com mudas